Crônicas do cotidiano: As Vovós e o rescaldo do Campos Neto
- Walmir de Albuquerque Barbosa
- 14 de fev.
- 3 min de leitura
Volto, sempre que posso, à sabedoria de minha Vó (as avós estão em alta). Temo até que minhas preces pelo seu descanso eterno ainda me deixem em débito em relação aos favores intelectuais que me presta quando a evoco. Às vezes repetitivo, o Brasil não inova em suas escorregadas, nos seus mal feitos e nas suas complacências. Por isso, a musiquinha que Vovó cantou, depois de contar-me que, logo após o fim da Monarquia, todos já eram Republicanos, continua verdadeira: “o padre que disse a missa era o mesmo camaleão”, mudou de pele! E não é que o Presidente da Câmara dos Deputados, recém eleito e que acaba de completar os 35 anos de idade, necessários para assumir a Presidência da República como o terceiro na ordem de sucessão, afronta o Supremo Tribunal Federal (STF) que julga os golpistas, a dignidade dos que clamam por democracia e parte dos que lhe concederam o voto, proclamando numa rádio do interior, mas ouvido pela Nação, que “não houve tentativa de golpe no 08 de janeiro e que as penas dos que já foram condenados são excessivas e, por isso, é a favor da anistia”. Uma semana antes, na euforia do discurso de posse, levantou a “Constituição Cidadã” evocando Ulisses Guimarães, prometeu por fim à “avacalhação” dos procedimentos regimentais da Câmara; levou a sua Vó ao encontro do Presidente Lula, de quem é fã e devolveu-a a seu lugar de origem, e correu para seu ninho na extrema direita, sob aplausos.
Por essas e outras é que a semiologia é tão importante para a análise das narrativas sobre os fatos correntes: “o governo está sem rumo”, dito por uma jornalista da imprensa televisiva, serviu de aviso para os ataques ao governo; o tropeço linguístico do Chefe da Casa Civil, falando de “intervenção nos preços de alimentos”, evocou os “Fiscais do Sarney” dizendo que “se a laranja está cara, não compre” e, por último, a entrevista dada pelo Presidente da República à rádios da Bahia. Desta última, duas coisas foram pinçadas para desmoralizar o governo e sua nova estratégia de comunicação: a sugestão de boicote aos preços altos de produtos da cesta básica consumindo as vantagens dos aumentos salariais dos trabalhadores; e a “arapuca armada pelo Banco Central” (BC) com o aumento do dólar e da Taxa Selic de juros. E isso rendeu e continua rendendo. A mídia se recusa a apurar com seriedade e convoca os economistas do “mercado” (que erraram o ano inteiro em suas previsões) para avalizar os comentários de seus jornalistas, repetidos na semana inteira, formando a opinião pública a ser medida pelas Pesquisas das empresas que lhes prestam serviços. Toda a parte informativa, didaticamente explicada sobre os fatos colocados à apreciação do Presidente, foi respondida, mas a “lacração” pela imprensa foi com a frase: “a arapuca do Banco Central”, que diz respeito à gestão de Roberto Campos à frente do BC, ícone do “mercado”.
Claro que há sagacidade retórica na ilação entre os índices contínuos da inflação fora da meta estabelecida pelo Arcabouço Fiscal e a gestão de Roberto Campos, pois as transações comerciais são fechadas a preço do dia do Dólar e as consequências vêm depois: foi ele que colocou em risco, com falas sombrias, a política fiscal do governo; foi dele a elevação de juros à revelia dos resultados positivos da economia; foi na sua gestão a especulação financeira com o dólar. A imprensa não foi apurar que o pão que estamos comendo hoje está sendo feito com o trigo importado com o dólar a preços de Roberto Campos; que o petróleo refinado, importado, que está nas bombas, foi comprado com o dólar do Roberto Campos; o azeite caro, além da escassez do produto, foi importado com o dólar do Roberto Campos. Por outro lado, o agro que sustenta toda a imprensa brasileira e financia golpes de estado, conseguiu tirar os prejuízos de safras, enchentes etc., e teve superávit exportando commodities, como carne, soja, milho e outros, aproveitando o dólar alto do Roberto Campos, pois, como sempre, não está nem aí para quem vai a supermercado, pois suas adegas foram abastecidas do vinho preferido com ganhos na ciranda financeira. O governo falha olhando mais para o agronegócio e menos para a reforma agrária e para a agricultura familiar que põe na mesa do povo a laranja, o café, o arroz, o feijão, a farinha e as proteínas necessárias ao consumo no mercado interno. Como dizia a Vovó: “carestia é chibatada no lombo do povo”!

Jornalista Profissional.
Professor Emérito e ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas.
Manaus (AM), 14/2/2025.
*Toda sexta-feira publica no site EPCC suas Crônicas do cotidiano.
Confira na obra "Trajetórias culturais e arranjos midiáticos" (2021) seu capítulo "Comunicação, Cultura e Informação: um certo curso de jornalismo e vozes caladas na Amazônia".
Confira no canal do EMERGE a entrevista no programa Programa Comunicação em Movimento 09
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