Crônicas do cotidiano: Lacradores invadem Universidades Públicas
- Walmir de Albuquerque Barbosa
- 23 de mai.
- 3 min de leitura
A invasão das Universidades Públicas Brasileiras por coletivos de extrema direita tem por objetivo promover a higienização ideológica no ensino superior. Imaginam eles que a “elite empresarial empreendedora” sustenta a instituição e não deve aceitar as políticas identitárias, as cotas, o que eles chamam, na sua ignorância convicta, de “marxismo cultural” e outras práticas que “atentem contra os bons costumes”. Os ataques cada vez mais frequentes aproveitam-se, o que é certo, do enfraquecimento da instituição pública nesses últimos vinte e cinco anos. No Governo FHC, seu Ministro da Educação colocou na praça a proposta de privatização das Universidades Públicas; e, não conseguindo realizá-la, passou a achacá-las ao mesmo tempo que ampliava o setor privado da educação com uma legislação facilitadora que lhe dava condições de assalto até aos recursos públicos com crédito a juros baixos do BNDES e a outros programas que permitiram sua expansão vertiginosa. O resultado está aí: Universidades Públicas resistindo aos contingenciamentos e, com o que lhes resta, prestando serviço de melhor qualidade; e o setor privado, inchado, na maioria esmagadora, oferta cursos de péssima qualidade, mesmo contando com o PROUNI e o Crédito Educativo, além de isenção de impostos estaduais e municipais. O setor tornou-se tão lucrativo que interessou aos grandes conglomerados financeiros mundiais que investem na educação como mercadoria e Universidades particulares decadentes são compradas, incorporadas ao grupo, maquiadas e postas no mercado novamente com maior viabilidade econômica. Basta ver o último Ranking das Universidades Brasileiras em 2025 para confirmar o que é dito. Assim sendo, aos lacradores que participam dos movimentos de invasão é preciso dizer que não é a elite econômica que sustenta a Universidade Pública e sim a maioria do povo brasileiro, que paga impostos no “holerite” (contracheque) e nos produtos que consome e, nem sempre, tem acesso ao Ensino Superior, mesmo incluindo as vagas nas escolas privadas; apenas uma parcela ainda pequena chega à Universidade via cotas, tão contestadas por apoiadores desses coletivos. Poderiam “dar um Google” e aprender que os latifundiários brasileiros foram os primeiros a se beneficiarem das cotas em Universidades Públicas. Em 1968, a Ditadura fez a Lei do Boi (Lei 5465/68), garantindo a entrada dos filhos de proprietários de terra, ou aos próprios, na Universidade e virarem doutores, sem vestibular e sem pagar um tostão até 1985, quando foi revogada. Conseguiram o que já era dado aos militares, cujos filhos tinham a primazia das vagas nas Escolas Militares, sem ter que disputá-las com os filhos de civis. Portanto, é uma ignomínia levantar o dedo contra as cotas em nome da meritocracia e obscurantismo, tentando impor o “pensamento único”.
O embate entre Universidade e Sociedade é histórico: “nem em sua forma medieval, nem em sua forma moderna a Universidade dispôs de sua autonomia absoluta e das condições rigorosas da sua unidade. Por mais de oito séculos, ‘Universidade’ terá sido o nome dado por nossa sociedade a uma espécie de corpo suplementar que ela quis, ao mesmo tempo, projetar para fora de si e guardar ciosamente dentro de si, emancipar e controlar” (O Olho da Universidade. DERRIDA, Jacques. SP: Estação Liberdade, 1999, p.155). A direita neoliberal e a extrema direita, nesta quadra de século, no Brasil, têm trabalhado a favor do retrocesso na educação buscando eliminar nossas conquistas na CF/88, sobretudo quanto à vinculação orçamentária, criação de creches, universalização do Ensino Básico e acesso ao Ensino Superior das populações mais pobres, boicotando a alfabetização de adultos ao estigmatizar Paulo Freire e desqualificar a Escola Pública, vendo-a como gasto; rejeitando recursos tecnológicos para servir aos caprichos das corporações de ofício que querem reserva de mercado para as profissões que representam – e não deixam usá-los como ferramentas pedagógicas da aprendizagem a serviço da expansão das oportunidades, com garantia de qualidade. As reformas curriculares atendem, com isso, aos interesses corporativos e de mercado; boas práticas pedagógicas, às vezes, são recusadas em nome de um conservadorismo estúpido. Os lobbies de empresários, de religiosos e de falsos moralistas travestidos de lacradores, como mariposas, rondam a escola pública e laica. Os brasileiros não merecem tanto escárnio!

Jornalista Profissional.
Professor Emérito e ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas.
Manaus (AM), 23/5/2025.
*Toda sexta-feira publica no site EPCC suas Crônicas do cotidiano.
Confira na obra "Trajetórias culturais e arranjos midiáticos" (2021) seu capítulo "Comunicação, Cultura e Informação: um certo curso de jornalismo e vozes caladas na Amazônia".
Confira no canal do EMERGE a entrevista no programa Programa Comunicação em Movimento 09
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