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  • Foto do escritorWalmir de Albuquerque Barbosa

Crônicas do cotidiano: Regredimos ao Tratado de Tordesilhas

Pois é, falaram tanto em reindustrialização com base na bioindústria e numa nova matriz industrial. Falaram tanto em matriz energética limpa com biomassa e aproveitamento hidroelétrico de nossas possibilidades. Falaram tanto em Amazônia como a nova grife, capaz de fornecer não só os insumos para uma produção industrial limpa, mas, também, para melhorar qualidade de vida dos amazônidas e brasileiros em geral. Falaram tanto que este seria o momento da Amazônia: a sua inserção no mercado mundial como reserva ecológica do planeta sequestrando carbono, limpando o ar contaminado pela industrialização movida a combustíveis fósseis; fornecendo a água dos seus rios voadores e garantindo a produção de alimentos e commodities ao agro brasileiro. Falaram tanto na excelência do bioma que guarda a maior biodiversidade do mundo e, se conhecido e explorado adequadamente, seria fonte de riquezas a revolucionar a ciência, a curar doença e pessoas, bem como fornecer novos alimentos de qualidade. Falaram tanto e convidaram o mundo inteiro para a grande conferência mundial sobre a situação do clima no mundo e a sustentabilidade do planeta, a COP30 (nov.2025), a realizar-se em Belém do Pará. E os nossos olhos brilharam e nos conectamos às virtualidades engenhosas do poder que nos acenava. Ledo engano!

 

Nos enganam mais uma vez e descaradamente! Nossos algozes já estão definindo os papéis dos futuros atores: os contabilistas da grana de sequestro de carbono; os lobistas dos novos negócios com dinheiro público do orçamento de ciência e tecnologia; definindo as instituições de excelência  que se tornarão sede da investigação científica; as universidades que formarão os pesquisadores que porão em funcionamento as novas cadeias produtivas geradas pelo novo bioma; o locus das indústrias de valor agregado aos novos produtos; os entrepostos de coleta e o treinamento da mão de obra “cata coquinho” (“novos povos da floresta”), os modernos “capitães do mato” para nos  vigiar sob o olho eletrônico, modernos “Coronéis do Extrativismo”. Que falta de vergonha! Isso por que tudo de bom, tudo de novo, tudo que pode enriquecer, só pode caber naquele Brasil que foi definido pelo Tratado de Tordesilhas (1494) no começo da colonização. O Brasil que nasceu do outro lado do meridiano traçado à 370 léguas de Cabo Verde, mesmo conquistado por Pombal para Portugal, devassado pelos genocidas conhecidos como Bandeirantes e tomado a força pelos mercenários contratados pelo Império, foi incorporado como Colônia e, assim, os brasileiros do lado de lá o querem para sempre, para o gozo de todos os seus maus instintos e preconceitos.

 

E porque falo dessas coisas? Seria por desilusão? Por um ódio cabano incorporado? Um pouco sim e racionalmente não! Já vivemos o necessário para saber que o “Brasil de Tordesilhas” não nos reconhece fraternalmente e sempre destruiu todos os nossos modelos de desenvolvimento econômico e social que lhe fizeram ou fazem sombra. Se locupleta o quanto pode e depois os destrói como um colonizador inveterado. Foi assim com a Cultura Cacaueira, com Ciclo da Borracha, foi assim com Agroindústria Primitiva Extrativista, tem sido assim com a Zona Franca de Manaus, que vive pendurada em prorrogações vexatórias e será assim com essa farsa da bioindústria. O que nos daria autonomia e desenvolvimento sustentável começou com a aposta que as três últimas gerações de amazônidas fizeram em busca de conhecimento para criar e desenvolver nossas Universidades e criar Centros de Pesquisa na esperança de que receberiam os investimentos necessários e a atenção devida; que multiplicariam a massa crítica necessária ao Desenvolvimento Regional Sustentado. Todos os nossos esforços podem ir água abaixo: encontra-se na mesa do Senhor Ministro da Educação, deste Governo, aprovado pelo Conselho Nacional de Educação e  apoiado pela Diretoria da CAPES, a resolução que selecionará as Universidades de Elite Brasileiras, e somente elas terão autonomia para criar e gerir os novos cursos de Mestrado e Doutorado. Todas  elas ficam no lado privilegiado do Tratado de Tordesilhas. Quem quiser ser mestre ou doutor que vá para o sudeste e sul maravilhas. Eles querem todo o dinheiro público do orçamento da ciência e da tecnologia para manter o cabresto da colonização econômica, científica e cultural.



Jornalista Profissional.

Professor Emérito e ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas.

Manaus (AM), 16/8/2024.

*Toda sexta-feira publica no site EPCC suas Crônicas do cotidiano.

Confira na obra "Trajetórias culturais e arranjos midiáticos" (2021) seu capítulo "Comunicação, Cultura e Informação: um certo curso de jornalismo e vozes caladas na Amazônia".

Confira no canal do EMERGE a entrevista no programa Programa Comunicação em Movimento 09 

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