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Arte Viva: Arte e política cultural no século XVII ou da transgressão na arte pelo genial e primeiro poeta brasileiro Gregório de Matos Guerra

  • José Ribamar Mitoso
  • 11 de set.
  • 4 min de leitura

Século XVII. A mesma política cultural catequista instituída  para o Brasil pela regente portuguesa  D. Catarina d'Áustria em 1558, século XVI, foi reafirmada durante o século XVII pela  União Ibérica, Império de Portugal-Espanha. 


É verdade que em 1605, através de Provisão Legislativa, o rei Filipe II de Portugal e III da Espanha alterou esta política cultural e proibiu a escravização de indígenas para catequese religiosa. Todavia,  o próprio Filipe II, seis anos depois, instituiu outra Provisão para autorizar a escravização para doutrinação da fé. Em Carta Régia de 1640, o rei Felipe III,  sucessor de Felipe II, reafirmou a catequese como  política cultural  imperial da União Ibérica. 


Ainda neste século XVII, porém, surgiram vários movimentos políticos-culturais  de indígenas e africanos escravizados contra a escravidão e a  política cultural catequista. Também no século XVII, e no rastro destes movimentos culturais,  a estética da arte sacra catequista, criada por Pe. Anchieta no século XVI , foi criticada e ultrapassada pelo poeta Gregório de Matos Guerra. Com sua poesia, o poeta baiano estabeleceu um contraditório cultural, político e estético à política cultural do imperialismo ibérico.


Mesmo sendo religioso, e mesmo tendo fases de poesia religiosa e poesia lírico-amorosa, fases encaixadas no padrão estético  barroco, Gregório, através da poesia satírica, transgrediu  a estética do próprio barroco e da arte sacra de Pe. Anchieta, que transformava o sagrado indígena em profano. Para isto, o poeta criou uma estética literária laica para transformar o sagrado cristão em profano e o sublime cristão em vil, através de uma poesia satírica, anticolonial, anticlerical e antimonárquica. 


Vamos devagar. Ainda estás aí, leitor? E seus olhos, leitora? Poiesis. Veja.


Datar e definir qualquer estilo literário de época é algo muito complexo e impreciso. E esta narrativa nem de longe pretende isto. É algo chatérrimo, que torna a Academia entediante. Explicar com a razão categorial a expressão estética emocional é autoritarismo. Um saco.Tou fora.


Mas o conTexto do Barroco talvez revele o texto Barroco. O Barroco como estética e como estilo surgiu como expressão de um período de transição. Entre os séculos XIV e XVII, sobretudo. E como expressão desta transição social, ele foi expressão dos conflitos que a moveram. (Capitalismo/ feudalismo, teo/antropocentrismo, sagrado/profano, fé/razão).


Este contexto de conflito, de opostos, (óbvio), criou valores estéticos que o expressasse. Valores cuja expressão textual, (óbvio), utilizou recursos técnicos,  figuras de linguagem que traduzissem na linguagem poética subjetiva os opostos e as tensões objetivas. Quais? 


O dualismo, expressão estética de uma subjetividade/objetividade em conflito. E como expressão estilística deste valor estético dualista, o uso de figuras de linguagem poética que o traduziam, como a antítese e o paradoxo.


O contraste, expressão estética das contradições da travessia temporal. Mais  antíteses e paradoxos na linguagem poética para expressar subjetivamente o real.


O cultismo, expressão estética do culto à forma, ao estilo, às figuras de construção e ao vocabulário  para deixar o texto bem top, bem expressivo, belo, primordial. Quais figuras? As rimas riquíssimas, as grandiloquentes metáforas dramáticas, as prosopopéias antropomórficas e zoomórficas, as anáforas da repetição de palavras  que sustentam o ritmo e as hipérboles expressivas do exagero da subjetividade desesperada e emotiva.


O conceptismo, expressão estética  da visão de mundo teológica ou humanista sobre o tema da poiesis. 


O poeta Gregório utilizou estes valores estéticos e estilísticos para  subverter a  estética e a arte sacra quinhentista colonialista, inventada pelo Pe. José de Anchieta para transformar em profano o sagrado dos povos indígenas. Com estes recursos, criou uma estética e uma poeiesis que transformava o sagrado cristão em profano e o sublime cristão em vil .


Exemplos breves.

       Poesia Satírica Anticlerical 

       (Juízo Anatômico da Bahia)

      "Que vai pela cleresia? - Simonia/ E pelos membros da Igreja? -Inveja/Cuidei que mais se lhe punha? -Unha/Sazonada caramunha/Enfim, que na Santa Sé oque mais se pratica é

Simonia, inveja, unha"

      Poesia Satírica Anticolonial 

      (Resposta a um amigo com novidades de  Lisboa em 1658)

      " Portugal tem saúde e forças largas/Roma está bem, e toda a Igreja boa/Europa anda de humores mal regida/Na América arribaram muitos pobres/Estas as novas são que há de Lisboa"

       Poesia Satírica Antimonárquica 

      (Conselhos a qualquer tolo para parecer fidalgo, rico e discreto)  

      "Bote a sua casaca de veludo/Que pega fidalguia mais que tudo/ Seja um magnano, um pícaro, um cornudo/ Vá a palácio, e após das cortesias/ Perca quanto ganhar nas mercancias"


Gregório inverteu a estética colonialista da arte sacra quinhentista e mudou a história artística e cultural do Brasil. Os poetas da Inconfidência Mineira transformaram esta arte autoral, satírico-barroca, anticolonial, antimonárquica e anticlerical deste poeta rebelde em  primeiro  movimento cultural  separatista e fundaram o arcadismo. Século XVIII. Na próxima Arte Viva.


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Escritor, Dramaturgo, Professor da Universidade Federal do Amazonas e Doutor em Artes, Movimentos Culturais e Políticas Culturais no Brasil entre os séculos XVI e XXI. *Toda quinta-feira publica no site EPCC sua Arte Viva.

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