Arte Viva: Brasil-Colônia: D. Catarina d'Áustria ou política cultural e estética teatral no século XVI
- José Ribamar Mitoso
- 4 de set.
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Através de duas Cartas Régias de 1558, enviadas ao Governador-Geral Mem de Sá e à Câmara de Salvador, a regente portuguesa D. Catarina d'Áustria, viúva de D. João III, criou as primeiras legislações culturais e a primeira política cultural oficial da metrópole imperial para o Brasil.
Nestas Cartas, D. Catarina informa que o “intento da descoberta” é a “conversão dos Indígenas” e determina que a Câmara de Salvador reserve uma verba para ajudar a Companhia de Jesus nesta missão.
Pe. Anchieta recebeu a verba e transformou esta legislação e esta política cultural em movimento cultural e em estética teatral.
O projeto estético deste teatro catequista do século XVI foi o de profanar o sagrado indígena para difamar as lideranças da Confederação dos Tamoios. Neste projeto, Padre Anchieta usou a forma teatral greco-latina para expressar um conteúdo com uma visão de mundo eurocêntrica, colonizadora e catequista sobre o tema.
No Auto da Festa de São Lourenço, escrito em tupi e português, Pe. Anchieta criou personagens Anjos e Santos, para representar o bem e a virtude, assim como Demônios, para representar o mal e o pecado.
Na trama da dramaturgia, São Lourenço e São Sebastião, heróis, lutam para destruir os vilões Guaixará, Aimbirê e Saravaia, líderes indígenas da Confederação, primeiro movimento de resistência político-cultural ao imperialismo ibérico. Estes líderes, segundo a dramaturgia deste Auto, eram demônios e queriam profanar as aldeias com bebidas alucinógenas, sexo grupal selvagem, antropofagia e violências diversas em rituais pagãos. D. Catarina criou a política cultural e Anchieta deu forma artística a estratégia de lacração moral e demonização de lideranças indígenas e culturais com fakenews difamatórias. Esta política estético-cultural vaga até hoje pelo Brasil como um fantasma medieval. E inspira lacrações culturais rasteiras, usadas como táticas dissimuladas de patrulhamento ideológico, censura e tentativa inquisicionista de destruição da dignidade humana.
O poeta Gregório de Matos Guerra se opôs a esta estética colonialista de profanar o sagrado indígena e criou a estética satírica barroca para profanar o sagrado cristão. Século XVII. Na próxima Arte Viva.

Autor: José Ribamar Mitoso
Escritor, Dramaturgo, Professor da Universidade Federal do Amazonas e Doutor em Artes, Movimentos Culturais e Políticas Culturais no Brasil nos séculos XVI e XXI. *Hoje é a primeira de uma série da Arte Viva. Toda quinta-feira no site EPCC.


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