Crônicas do cotidiano: Ninguém pode perder a esperança
- Walmir de Albuquerque Barbosa
- 6 de jun.
- 3 min de leitura
“As ações precisam de um horizonte de sentido, precisam ser narráveis. A esperança é eloquente. Ela narra. O medo, por outro lado, é incapaz de falar, incapaz de narrar” (O Espírito da Esperança: contra a sociedade do medo. HAN, Byung-Chul. Petrópolis/RJ: Vozes, 2024, p.14). Ao concluir a leitura dessa brochura que toma como libelo a Esperança, pensei muito no que certa vez ouvi de um marxista radical: “acreditar somente na esperança é ser piegas e, em sendo um intelectual, é optar por viver nas franjas etéreas dos fenomenologistas; o que importa é a luta contra a opressão”. Não levei a sério essa radicalidade e nas minhas vivências não recuso a luta contra a opressão e à desigualdade, mas recuso alimentar-me de “pensamento único”, qualquer que seja ele, e esse modo de ver me ilustra e ajuda a superar ignorâncias. Talvez, por isso, gostei do “livrinho de 132 páginas” que traz de volta velhos e caros autores da fenomenologia. Esses podem nos ajudar num balanço de vida e do vivido nesses dois territórios: o da luta material e o da luta dos afetos, sem o muro que quase sempre os separa e que, em não existindo, não precisaríamos transpô-lo. Basta entender esses espaços vitais, mesmo que antagônicos, como o todo de nós mesmos. Nesse “filosofar amador” surgiu uma questão para eu responder: o que tenho feito com os meus afetos? Achei demasiado e enfadonho expor essas coisas de nossas vivências e de nossa existência, sobretudo quando nos desumanizam como seres no mundo e nos encerram nas teias do medo, do ódio e do negacionismo desesperançoso, marcas expressivas do momento que vivemos. Somente pela narração das nossas ações, encharcadas de esperanças, “nascerá o novo” superando o medo, como diz o autor da obra citada acima, nos libertando para falar, narrar e agir!
Vivemos no mundo da linguagem e esse mesmo mundo foi reduzido a um discurso de vozes tonitruantes que querem ser “tudo”, sem dar conta do todo. Wittgenstein nos adverte: “os limites da minha linguagem significam os limites de meu mundo” (Tractatus, afirmação 5.6). A “sociedade do espetáculo” nos fez espectadores pouco ativos e seguidores de tendências que se apoiam em narrativas muitas vezes falaciosas. Para que não distingamos o falso do verdadeiro, o conceito de narrativa foi desvirtuado e, para nos confundir, nominou todas as narrativas como discursos “não verdadeiros”, com o intuito de impor a sua narrativa como a única e verdadeira. Perdidos no meio da praça do globalismo, repetimos seus mantras ou nos calamos. Tomados pelo medo, não conseguimos narrar, expressar nossas convicções políticas ou afetivas: o sistema do medo nos oprime. Não é à toa que perdemos a noção do que vem a ser a “liberdade de pensamento e de expressão”, para dar um exemplo da hora, e nos envolvemos em conjecturas e discussões infindas porque pensamos que podemos tudo, até mesmo pensar e dizer o outro como diferente, indigno até da mesma humanidade na qual me reconheço. Assim, tornando-me recipiente de um discurso radical e odioso, fundado nas teorias conspiratórias, paro no tempo da única verdade que só me leva ao passado e jamais ao novo. Como nada disso é real, pois o mundo é o mundo, com todos os seus problemas e virtudes, queiramos ou não, fomos limitados em nossa linguagem, tornamo-nos presa fácil do medo, de todos os medos possíveis disseminados pela mídia convencional e monopolista que pauta e seleciona o que devemos conhecer do mundo e da internet, inicialmente vista como o mundo da liberdade de expressão e, agora, um purgatório com seus submundos de perversão.
Reverter a situação de medo a que chegamos e deixar que a Esperança cresça em todos os espaços para fazer nascer o novo onde reinará a igualdade, a solidariedade e os afetos positivos também tem nome: utopia! Quem disse que podemos viver sem ela? Quem disse que podemos enfrentar a “vida ativa” sem sonhos e sem esperança esqueceu apenas de um detalhe: pode ter esquecido de um pedaço importante que diz respeito aos nossos afetos, aquilo que liga a fadiga da labuta dos dias com o prazer de viver, como resultado. Todos os dias, à nossa frente desfilam discursos de ódio dando conta da destruição do nosso mundo e da nossa humanidade. Necessário se faz mudar o rumo dessa prosa. Ela precisa falar de outras coisas, do nós, da Esperança!

Jornalista Profissional.
Professor Emérito e ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas.
Manaus (AM), 6/6/2025.
*Toda sexta-feira publica no site EPCC suas Crônicas do cotidiano.
Confira na obra "Trajetórias culturais e arranjos midiáticos" (2021) seu capítulo "Comunicação, Cultura e Informação: um certo curso de jornalismo e vozes caladas na Amazônia".
Confira no canal do EMERGE a entrevista no programa Programa Comunicação em Movimento 09
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