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Arte Viva: Bruzundangas ou o olhar do morcego, os movimentos culturais e a política cultural na República Velha (1889-1930)

  • José Ribamar Mitoso
  • 16 de out.
  • 2 min de leitura

Assim como Zé Bibelô, que dormia pendurado em   limoeiro porque sonhava ser morcego para ver a realidade invertida, leio ficção como morcego, porque sei que é a inversão da realidade. Ao ler ficção, leitora, lês como notícia de jornal? E tu, leitor, lês como artigo científico? E não se penduram em limoeiro? Ou são morcegos?


O livro alegórico-satírico "Os Bruzundangas" (1917), de Lima Barreto, por exemplo, é ficção. Não é uma crítica teórica ou jornalística  à República Velha, a sua política cultural de troca de favores , ao movimento cultural  beletrista e aos beletristas parnasianos ou da patota de Machado de Assis. É ficção. É alegoria.


Crítica sócio-cultural, sim. Mas a um país de ficção. Bruzundangas. Diário de viagem de um brasileiro sobre um pais estrangeiro. E se o lermos como notícia de jornal ou ciência social, como Brasil, insultamos a literatura como arte. Bruz é um país irreal de analfabetos. Somos letrados. Sabemos a diferença entre ficção e realidade.


Primeiro o Brasil. Na República Velha, existiam vários movimentos culturais rurais e urbanos no Brasil. A arte, a moda e a religião os organizavam e os moviam. A moda e a arte do Cangaço. A roupa de couro. O xaxado dança e música. A religião do paraíso na terra para os pobres dos sobreviventes do Arraial de Canudos. 


Os movimentos culturais urbanos das artes se organizavam em salões, cafés, saraus e lojas de livro. Machado de Assis e Lúcio de Mendonça fundaram a Academia Brasileira de Letras em 1897 com apoio da loja Garnier. O salão oligarca de Eduardo Prado apoiou.Nabuco e Bilac eram deste salão. O Barão do Rio Branco também. Indicado por Nabuco, virou imortal. Amigo do Presidente Campos Salles (1898-1902), articulou ajuda. Machado e Nabuco defendiam a ABL assim, para "influentes". 


Somente neste contexto é possível entender o Decreto 726/1900, de Campos Salles, que deu sede e recursos para a ABL. Foi o ato inaugural da política cultural de troca de favores e subvenções financeiras a entidades culturais. E durou até o Decreto 4492/22, que autorizou o então presidente Epitácio Pessoa a financiar o IGHA.


Os beletristas e a academia de Bruzundangas eram diferentes. A voz narradora narra que publicavam "sonetos bem penteadinhos, perfumadinhos e lambidinhos. Viviam de aparências literárias e da banal simulação de notoriedade, por falta de talento e sinceridade, disfarçadas com pelotiquices".


Quase esqueci de ti, leitor. Desculpe-me, leitora. Sim.Bruzundangas é um país fictício. Mas os imortais confundiram a Academia de Bruz com a ABL, surtaram e lacraram Lima Barreto. Covardia. Em 1928, ainda na República Velha, Washington Luiz criou uma política cultural trabalhista para as artes e artistas. Na próxima Arte Viva. 


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Escritor, Dramaturgo, Professor da Universidade Federal do Amazonas e Doutor em Artes, Movimentos Culturais e Políticas Culturais no Brasil entre os séculos XVI e XXI.     

Rio de Janeiro (RJ), 16/10/2025.

*Toda quinta-feira publica no site EPCC sua Arte Viva.

 
 
 

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