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Arte Viva: Feijoada, maniçoba, penachos, ojás, balangandãs, batuques e outros suspiros poéticos das brasilidades: Artes, movimentos culturais e políticas culturais no segundo reinado/1840-1889)

  • José Ribamar Mitoso
  • 9 de out.
  • 3 min de leitura

Em 1831, após a renúncia de D. Pedro I, o seu sucessor não podia assumir porque era menor de idade. O Brasil viveu então o chamado Período Regencial de transição até o sucessor atingir a maioridade. Este período durou de 1831 até 1840 , quando D. Pedro II virou imperador antes mesmo da maioridade, em uma jogada política da monarquia bragantina.


As Regências Trina e Una não tiveram plano de política cultural. Apenas federalizaram o ensino elementar e secundário (1837). O Estado Monárquico não teve, mas a sociedade civil brasileira teve movimento e política cultural, e isto é o que importa - é isto ou não é , leitor? A soberania cultural é da sociedade, do Estado ou do mercado, leitora? Juízo.


Observem. O ambiente da independência criou um clima social de afirmação de uma identidade  nacional e a sociedade civil a afirmou com um movimento e com uma política cultural da cidadania para si mesma. Sem Estado e sem mercado. E esta ação cultural da sociedade foi além do "domjoãosextismo" de reduzir a cultura às belas-artes. Ela já estava vacinada contra a  lábia bragantina. Decidiu ser brasileira. Transformar tabu em totem.


A identidade que emergiu da sociedade foi nacional, plural, diversa e popular. Emergiu da culinária feijoada-maniçoba. Da afroreligiosidade dos batuques. Da moda de penachos, ojás e balangandãs. Das línguas indígenas. Da Imprensa alternativa republicana e abolicionista. Das festas populares.Das artes - da poesia e da prosa romântico- indianista, sobretudo. E também das hilárias comédias de costumes do teatro de Martins Pena.  

   Parêntesis. A poesia identitária foi também artisticamente  experimental. Eu-lírico identitário, mas sobretudo estético.  Poesia cuja poética ultrapassou a forma-fôrma do soneto e da ode. Poesia que optou pela  balada e pela canção. E que usou  redondilhas para facilitar  a expressão do ritmo da dicção popular. Suspiros Poéticos e Saudades , de Gonçalves de Magalhães, foi a obra inaugural. Navios Negreiros, de Castro Alves, fechou a fatura. 


Já no Segundo Reinado, D. Pedro II  repetiu e aprofundou  a politica cultural  das belas-artes de D. João VI, seu avô. Rejeitou o movimento cultural identitário da sociedade e reduziu a  cultura  às belas-artes. Verdade que manteve a educação pública, a liberdade de imprensa, o resguardo de direitos autorais e o incentivo à invenção tecnológica, óbvia herança  da política cultural ampla de seu pai. Mas priorizou o mecenato para financiar a formação de artistas da corte  e criar  aparelhos culturais para a difusão das belas-artes no Brasil. 


Em 1838, criou o Instituto Histórico e Geográfico. Em  1841, criou o Conservatório Imperial de Música. Em 1857, criou a Imperial Academia de Música e Ópera. Em 1858, criou o Liceu de Artes e Ofícios. Criou programa de bolsas de estudos na Europa para os "artistas da corte". E , (para manter o paralelismo verbal), criou o marketing de "imperador mecenas das belas-artes". Política cultural sem movimento cultural. Elitismo chiquérrimo. Não lhe parece, leitor? Que tal, leitora? 


Durante os 48 anos do Segundo Reinado, os movimentos culturais foram identitários, étnicos, culinários, modistas, afroreligiosos, linguísticos e artísticos. Adquiriram forma estético-estilística através do romantismo nativista da Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, do romantismo-libertário d'O Navio Negreiros, de Castro Alves,  do naturalismo sócio-crítico d'O Cortiço, de Aluísio Azevedo,  e do realismo das psicopatias d'O Alienista, de Machado de Assis. A República e a Abolição criaram outras possibilidades de movimentos e políticas culturais na sociedade. Em 1900, Campos Salles usou o Estado para cooptar tais movimentos. Em 1928, Washington Luiz  colocou freio na escravidão de artistas pelas empresas da indústria cultural. Na próxima Arte Viva. 


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Escritor, Dramaturgo, Professor da Universidade Federal do Amazonas e Doutor em Artes, Movimentos Culturais e Políticas Culturais no Brasil entre os séculos XVI e XXI.    

Rio de Janeiro (RJ), 9/10/2025.

*Toda quinta-feira publica no site EPCC sua Arte Viva.

 
 
 

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