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Arte Viva: Movimento cultural e política cultural no século XVIII ou das serventias da razão iluminista

  • José Ribamar Mitoso
  • 18 de set.
  • 4 min de leitura

Movimento cultural e política cultural no século XVIII ou das serventias da razão iluminista  (A política cultural colonial-iluminista da era pombalina e o movimento cultural iluminista - separatista dos poetas inconfidentes) Século XVIII. D. José I assumiu o trono português em 1750 e em 1756  nomeou o famoso Marques de Pombal para o cargo de Secretário de Estado. Pressionado pelos movimentos político-culturais  contra o colonialismo e contra a ação catequista da Companhia de Jesus,  o Marquês de Pombal  alterou qualitativamente o conteúdo da política cultural catequista que o Estado colonial vinha executando nos séculos XVI e XVII. 


Através de dois Diretórios Legislativos de 1757 e 1758, o Marquês de Pombal  substituiu o objetivo religioso- catequista da política cultural anterior pelo objetivo de letramento iluminista-racional para realizar o controle  mental dos   povos indígenas e dos  afrodescendentes escravizados. O fundamento da política cultural colonialista  deixou de ser a religião e passou a ser o racionalismo iluminista.


Para executar esta  nova  política cultural, o Marquês de Pombal  afastou os jesuítas e tentou cooptar professores e escritores. Para tanto, em uma Carta de Lei de 1772, e a pedido do Marquês, D. José I criou o que ficou conhecido como o “Subsídio Literário da Cachaça ”. Em Alvará da mesma data, o rei regulamentou a coleta e a distribuição do Subsídio aos intelectuais, definindo como fonte de recursos um imposto sobre a cachaça. 


Gostas de pinga, leitor? Seria deselegante perguntar o mesmo a ti, leitora? Havia uma ironia em taxar o alto consumo alcoólico de professores e escritores no século XVIII.  O imposto roubava a banana no quintal e vendia para o dono na porta da frente.


Ainda no século XVIII, todavia,  ocorreu a Inconfidência Mineira,  primeiro movimento de emancipação nacional, de inspiração também iluminista, mas com um caráter anticolonial, antiescravista, antimonárquico. Foi uma reação ao colonialismo e sobretudo à política cultural Pombalina.


Como parte deste movimento político separatista, surgiu também o movimento cultural separatista. Organizado pelos poetas árcades, este movimento formulou e difundiu uma política cultural de desconstrução das políticas e das legislações culturais colonialistas dos séculos XVI, XVII e XVIII. E a poesia foi o veículo. 


Os poemas foram  as chamadas Cartas Chilenas, atribuídas ao poeta inconfidente Tomás Antônio Gonzaga. Nestas Cartas-Poemas, o poeta criticou as políticas culturais dos séculos anteriores e a do século XVIII. E também estabeleceu o conteúdo estético e a política cultural do movimento cultural dos Inconfidentes.  


Esteticamente, as Cartas Chilenas são poemas em prosa, de cunho épico-satírico,

composto em versos decassílabos brancos, com métrica, mas livres, sem rimas. Significaram uma ruptura com o padrão estético-estilístico do arcadismo. Em comum com a estética árcade, apenas a linguagem simples e os versos decassílabos. Mas romperam com o padrão  árcade da forma fixa soneto e sua estrutura de rimas, assim como com a  temática bucólica e florestal.


A estrutura continha um eu-lírico, 

e também narrador, de nome Critilo, metaforicamente morador de Santiago do Chile (Vila Rica). Suas narrativas poéticas são dirigidas ao amigo e interlocutor Doroteu. Nestas  Cartas, Critilo denuncia o autoritarismo do governador chileno Fanfarrão Minésio, caricatura de Luís da Cunha Meneses, governador de Minas Gerais no período anterior à Inconfidência Mineira. 


Na Carta Nº 2, Critilo denuncia a escravidão.


"Aqui, prezado amigo, principia esta triste tragédia. Sim, prepara o branco lenço. Para ir trabalhar na roça e lavra, estes tristes (escravos), mal chegam, e são julgado pelo chefe a cem açoites.Tu sabes, Doroteu, no pelourinho a escada já se assenta e já descarregam golpes desumanos".


Na Carta Nº 5 , Critilo critica a política cultural do colonialismo português. Ele critica a lei que a instituiu, o financiamento público da diversão privada da aristocracia, o controle mental dos povos escravizados através do letramento iluminista e a violência  autoritária contra indígenas, africanos escravizados, artistas e intelectuais. Santiago do Chile é Vila Rica. O Chile é o Brasil.


Sátira e critica ao financiamento público do divertimento aristocrático privado.


"Reveste-se o baxá (  representante do império) de um gênio alegre. E, para bem fartar os seus desejos, quer que, a custa do senado e povo, arda em grandes festins a terra toda. Escreve-se ao senado extensa carta, em ar de majestade, em frase moura, e nela se lhe ordena que prepare, ao gosto das Espanhas, bravos touros; Ordena-se também que, nos teatros, os três mais belos dramas se estropiem, repetidos por bocas de mulatos. Não esquecem, enfim, as cavalhadas. Amigo Doroteu, ah! tu não podes pesar o desconcerto desta carta."


Sátira e crítica à legislação cultural que instituiu a política cultural imperialista.


"Enquanto não souberes a lei própria, que aos festejos reais, prescreve a norma. Então, prezado amigo, em qualquer festa, tirava, liberal, o bom senado, dos cofres chapeados, grossas barras. Estas rendas se gastavam em touros, cavalhadas e comédias. Com as leis dos monarcas se ajustaram."


Sátira e crítica a arte elitista alienante. E apoio  ao papel social da arte, que deveria ser popular e entendida pelo povo.


"Aqui o bom Roquério se distingue: Compõe algumas quadras, que batiza com o distinto nome de epigramas. E, pedante rendeiro, as dependura. Rançoso e mau poeta, não nascestes para cantar heróis, nem coisas grandes! Se te queres moldar aos teus talentos, em tosca frase do país, somente escreve trovas, que os mulatos cantem"


Na Carta Nº 6, Crítilo crítica a truculência desta política cultural colonialista. Ele mostra como esta elite colonial usava a arte para sua diversão, mas desrespeitava a dignidade existencial do artista. 


"Amigo Doroteu, é tempo de fazer-te excitar, afetos de ternura, de ódio e raiva. No dia, Doroteu, em que se devem correr os mansos touros, acontece morrer a casta esposa de um mulato, que a vida ganha por tocar rabeca. Dá-se parte do caso ao nosso chefe. Este, prezado amigo, não ordena que outro músico vá em lugar dele a rabeca tocar no pronto carro. Ordena que ele escolha ou a cadeia ou ir tocar a doce rabequinha. Naquela mesma tarde, pela praia. Que é isto, Doroteu, estás confuso? Duvidas que isto seja ou não verdade ?"


Este movimento foi derrotado e seus poetas cruelmente castigados. Mas seu legado para a independência do Brasil é inegável. É patrimônio cultural. Inspirou os Manifestos Poesia Pau-Brasil e Antropofágico, do modernista Oswald. Século XX. Mas já no século XIX , o movimento cultural da Revolução Pernambucana de 1817 retomou  os seus princípios estéticos, culturais e políticos. Na próxima Arte Viva.



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Escritor, Dramaturgo, Professor da Universidade Federal do Amazonas e Doutor em Artes, Movimentos Culturais e Políticas Culturais no Brasil entre os séculos XVI e XXI.  *Toda quinta-feira publica no site EPCC sua Arte Viva.

 

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