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Foto do escritorWalmir de Albuquerque Barbosa

Crônicas do cotidiano: A cobra debaixo do tapete

“George Bernard Shaw (1856-1950) foi seriamente afetado pelo alcoolismo do pai, mas tentou amenizar o seu efeito. Uma vez escreveu: ‘Se não conseguir se livrar do esqueleto da família, é melhor ensiná-lo a dançar’. De certo modo, a teoria da dissonância cognitiva descreve as formas de que as pessoas dispõem para fazerem seus esqueletos dançarem – tentar extrair o melhor de resultados desagradáveis. Isso é particularmente válido em situações que são tão negativas quanto inevitáveis” (ARONSON, Elliot e Joshua Aronson. O Animal Social. São Paulo: Ed. Goya, 2023, p. 117). Na citação tudo é interessante, mas chamo a atenção, inicialmente, para a frase de Bernard Shaw. Ela vem a calhar na situação atual da política brasileira de extremas dissonâncias cognitivas, sobretudo no caso da catástrofe climática e o apagão paulista, que terminou puxando o novelo das Agências Reguladoras dos Serviços Públicos, a começar pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). O atual governo descobriu que o anterior não havia terminado quando o Banco Central do Brasil, autônomo, impediu que influísse na marcha das taxas de juros. Agora, nas onze agências reguladoras, autarquias federais especiais, nas quais o Presidente da República não manda, pois seus diretores têm mandatos que superam o seu e nada na lei os obriga a seguir os ditames de governabilidade do eleito. Tudo isso foi feito para entregar o patrimônio público ao mercado quando das privatizações. Indicados pelo Governo Anterior e com os nomes aprovados pelo Senado, exercem o mandarinato fazendo até oposição irresponsável. Cômico, mas verdadeiro!


O caso da ANEEL, que cuida da energia elétrica no país e fiscaliza as permissionárias, algumas das quais acusadas de crime contra consumidores, é cruel e revelador das distorções de desenho das Agências e dos processos licitatórios de concessão à iniciativa privada. A ANAC cuida de aeroportos e das concessões de linhas aéreas e todos sabem o que passamos nas viagens aéreas. A ANA cuida das bacias hidrográficas e das empresas que fornecem serviços de distribuição de água potável e dos serviços de esgotos, deixando muitos com sede e na lama. A ANS cuida das empresas Suplementares de Saúde, em bom português, donas dos Planos de Saúde Privados que criam transtornos e cobram caro. A ANATEL cuida dos serviços de telefonia e telecomunicação em geral. E a cereja do bolo é a ANM, agência nacional de mineração, a quem cabe conceder  outorga aos exploradores de minérios e fiscalizar o processo de extração usado pelas empresas. Como não faz o que deve, não evita os escândalos e os danos ambientais graves. A ANVISA, a agência nacional de vigilância sanitária, dentre todas, tem cumprido o seu papel com magnanimidade e fez o que por lei poderia fazer, agindo em defesa da cidadania e dos interesses coletivos, o que impediu que decisões genocidas tornassem a pandemia de Covid mais cruel do que foi. Ficamos com a imagem do heroísmo dessa Agência Reguladora em nossas mentes, e pouco nos demos conta das suas coirmãs que poderiam ser iguais a ela em responsabilidade e zelo pela coisa pública. Certamente isso agravou a nossa dissonância cognitiva e nos levou ao autoengano, não vendo o que as outras andavam fazendo ou continuam a fazer enquanto responsáveis pela prestação de todos os serviços essenciais do Estado Brasileiro junto aos cidadãos/consumidores/clientes.

 

Em nota conjunta, datada de 04/06/2024, as agências federais reconhecem que “juntas elas regulam os mais diversos setores da economia, que correspondem a uma considerável parcela do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro… e responsáveis pela implementação de diversas políticas públicas”. Querem mais dinheiro público para poder cumprir a missão que lhes foi dada quando o Estado entregou à iniciativa privada todos as suas estatais e criou essas ditas agências para fiscalizá-las. Por incúria, inoperância, má-fé, conluio com os lobbies econômicos nacionais e internacionais, esses órgãos se tornaram esqueletos incômodos de uma herança maldita, plantada nos anos noventa do século passado e aperfeiçoada pelos defensores do Estado Mínimo, da “eficiência da empresa privada” e do “caráter impoluto de seus gestores técnicos”, que transformariam os bens do povo brasileiro em miríades do capitalismo globalizado. Os esqueletos precisam dançar, imediatamente!


Jornalista Profissional.

Professor Emérito e ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas.

Manaus (AM), 25/10/2024.

*Toda sexta-feira publica no site EPCC suas Crônicas do cotidiano.

Confira na obra "Trajetórias culturais e arranjos midiáticos" (2021) seu capítulo "Comunicação, Cultura e Informação: um certo curso de jornalismo e vozes caladas na Amazônia".

Confira no canal do EMERGE a entrevista no programa Programa Comunicação em Movimento 09 

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