Arte Viva: Movimentos culturais e políticas culturais no século XIX - A política cultural das "belas-artes" de D.João VI e o movimento cultural romântico- nativista da revolução pernambucana de 1817
- José Ribamar Mitoso
- 25 de set.
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Atualizado: 2 de out.
Em 1808, a família real do Império Colonial Português mudou sua sede para o Brasil e D.João VI passou a residir no Rio de Janeiro. Em 1815, o Brasil deixou de ser Colônia e passou a ser Reino Unido de Portugal e Algarves. Isto é: de fora a fora, nada. Apenas mudou o endereço da realeza pois.
Em 1816, através de um Decreto de 12 de agosto, D. João VI criou a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios e concedeu pensões a diversos artistas franceses que vieram desenvolver as belas-artes no Brasil. Mais que a Escola, porém, este Decreto instituiu a terceira política cultural deste império colonial para o Brasil e a primeira após instalar sua sede em terras brasileiras.
A primeira política cultural foi a da catequese religiosa dos povos indígenas, durante os séculos XVI e XVII. A segunda, no século XVIII, foi a do letramento racional-iluminista para controle mental de indígenas e de africanos escravizados. A terceira, de D.João, foi a de transferir o modelo artístico-cultural das belas-artes da metrópole europeia para sua nova sede. E esta terceira foi a primeira a reduzir o conceito de cultura apenas às "belas-artes". Ideia limitante. Cultura é muito mais. Vumbora.
Vamos devagar. Ao ouvir a expressão política cultural, pensas logo em arte, leitor? Ao ouvir a mesma expressão, pensas logo em alguma celebridade midiática das artes, leitora? Desculpem-me. Isto é "donjoãosextismo".
Observem. Ao emergir em 1817, a chamada Revolução Pernambucana Separatista criticou esta limitada visão de cultura como arte. Em vários de seus Manifestos , havia sempre a afirmação de princípios para uma política cultural republicana. Política cultural que deveria ser fundada na liberdade de expressão, na liberdade de imprensa, na afirmação de uma identidade nacional assentada nas matrizes culturais indígenas e afrodescendentes, e também na defesa da língua brasileira. Esta volta às raízes culturais inspirou o romantismo literário indianista. O Guarani, lembram?
Pegou a visão, leitor? Estás ligada, leitora?
Vejam. A política cultural deste movimento cultural revolucionário inspirou as garantias sócio-culturais da Constituição de 1824, primeira do Brasil independente, ainda que monárquico e escravocrata. Isto é muito louco.
Mas tem o epílogo . O "filme de terror". Após derrotar este movimento, a aristocracia escravocrata seguiu o script da tortura inquisicionista medieval . A realeza e seus verdugos assassinaram todas as lideranças da República de Pernambuco de forma perversa e exemplar.
Não pouparam nem os suicidas. Padre João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro, líder espiritual da Revolução, cometeu suicídio, enforcando-se. Mas seu corpo foi esquartejado e sua cabeça exposta na ponta de uma vara no centro do Recife por dois anos.
É difícil. Mas tentem manter a tranquilidade. Não se aborreçam comigo. É apenas a história cultural do Brasil. Não a inventei. Fatos. Foda.
Lembrei de Oswald. Manifesto Antropofágico Modernista. "O indivíduo vítima do sistema. Fonte das injustiças clássicas. Injustiças românticas. Jamais admitimos o nascimento da lógica entre nós. A vacina antropofágica necessária para o equilíbrio contra as inquisições exteriores e a baixa antropofagia dos pecados - a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato".
Após a independência em 1822, o brilhante compositor erudito, boêmio (e imperador) executou uma política cultural ampla durante o chamado Primeiro Reinado. Durante o Segundo Reinado, o neto de D. João VI seguiu a antiga política cultural das belas-artes do avô. Mais do mesmo. Na próxima Arte Viva.

Autor: José Ribamar Mitoso
Escritor, Dramaturgo, Professor da Universidade Federal do Amazonas e Doutor em Artes, Movimentos Culturais e Políticas Culturais no Brasil entre os séculos XVI e XXI. Rio de Janeiro (RJ), 27/9/2025. *Toda quinta-feira publica no site EPCC sua Arte Viva.

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